Jurisprudência TJMG - Curatela. Obrigação legal de prestar contas. Proteção do patrimônio da pessoa incapaz
quarta-feira, 03 de novembro de 2021, 09h12
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - FAMÍLIA - CURATELA - OBRIGAÇÃO LEGAL DE PRESTAR CONTAS - PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO DA PESSOA INCAPAZ. O curador, na condição de administrador dos bens do curatelado, tem obrigação legal de prestar contas, com o objetivo de conferir transparência à gestão dos recursos que não lhe pertencem e de proteger o patrimônio do incapaz. (TJMG - AI: 10000210734315001 MG, Relator: Carlos Henrique Perpétuo Braga, Data de Julgamento: 01/07/2021, Câmaras Cíveis / 19ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 06/07/2021).
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - FAMÍLIA - CURATELA - OBRIGAÇÃO LEGAL DE PRESTAR CONTAS - PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO DA PESSOA INCAPAZ.
O curador, na condição de administrador dos bens do curatelado, tem obrigação legal de prestar contas, com o objetivo de conferir transparência à gestão dos recursos que não lhe pertencem e de proteger o patrimônio do incapaz.
AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.21.073431-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE -
AGRAVANTE (S):
AGRAVADO (A)(S):
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 19ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. CARLOS HENRIQUE PERPÉTUO BRAGA
RELATOR.
DES. CARLOS HENRIQUE PERPÉTUO BRAGA (RELATOR)
V O T O
Agravo de Instrumento interposto por (...) contra a r. decisão proferida pelo MM. Juiz André Luiz Tonello de Almeida, da 9ª Vara de Família da Comarca de Belo Horizonte, que, nos autos de ação de prestação de contas, indeferiu a dispensa do dever de prestar contas pela curadora, nos termos seguintes:
"(...) A prestação de contas é obrigação do curador consoante previsto no artigo 84, § 4º, da Lei nº 13.146/2015 e artigo 1.755 do CC. Assim, em que pese as alegações da curadora, não sendo o caso de dispensa como dispõe o artigo 1.783 do CC, em consonância com o parecer ministerial INDEFIRO o pedido.
Por conseguinte, determino que a curadora apresente a prestação de contas referente ao período de 20 de novembro de 2009 a dezembro de 2014 em autos apartados, no prazo de 60 dias.
Deverá a curadora prestar contas e adequar a presente, seguindo o requerimento ministerial de ID 117118582, sob pena de, não o fazendo, ser a análise das contas realizada por Perito Judicial, cujos honorários serão arcados por ela.
Para tanto, intime-se a curadora tanto para comprovar a distribuição da prestação de contas citada alhures (em 60 dias) quanto para adequar a presente (em 45 dias).
Cumpra-se.
Após, ao Ministério Público" (evento 137).
A Agravante, em razões recursais, historiou ser a única filha da Agravada.
Sustentou que, desde a nomeação como curadora da mãe, vem exercendo o encargo com idoneidade, administrando o patrimônio em prol da curatelada na tentativa de lhe garantir conforto e bem estar.
Fundamentou a dispensabilidade da prestação de contas entre os anos de 2009 e 2014 no Princípio da Proporcionalidade.
Argumentou que a exigência de contas tão antigas não é necessária, pois o patrimônio da curatelada sofreu pouquíssimas modificações.
Disse ainda não ser proporcional comprometer a curatela unicamente em razão das contas entre 2009 e 2014, além do que sua exclusão das decisões familiares não seria adequada.
Pontuou que "a exigência de formalidades contábeis pretéritas e demasiadamente rígidas é desproporcional ao espírito constitucional e à própria essência da disciplina aplicável ao caso".
Requereu a concessão do efeito suspensivo.
Ao final, pediu o provimento do recurso, reformando-se a decisão atacada, para que se dispensasse a prestação de contas do período entre novembro de 2009 e dezembro de 2014.
O Procurador de Justiça, bel. Saulo de Tarso Paixão Maciel, opinou pelo não provimento do recurso (evento 139).
Sem preparo, pois a Agravante está amparada pela gratuidade de justiça.
Indeferiu-se a tutela antecipada recursal (evento 140).
O MM. Juiz comunicou a manutenção da r. decisão agravada.
Os autos vieram-me conclusos, em 19/05/2021.
É o relatório, na essência.
Conheço do recurso, porque presentes os requisitos e pressupostos de admissibilidade.
A irresignação recursal diz respeito à imposição à curadora da obrigação de prestar contas relativamente ao período de 20 de novembro de 2009 a dezembro de 2014.
O Código Civil dispõe que se aplicam à curatela as regras da tutela, dentre as quais se inclui a obrigação de prestar contas - art. 1.755 a 1.757 e art. 1.781.
A Lei 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência - trata da proteção jurídica e da dignidade da pessoa humana referente àqueles com incapacidade civil.
O art. 84, § 4º, da mencionada lei, também dispõe, expressamente, que os curadores são obrigados a prestar contas de sua administração.
O objetivo da obrigação de prestação de contas pelo curador é proteger o patrimônio do curatelado.
Leciona Sílvio Venosa que:
"A finalidade da curatela é principalmente conceder proteção aos incapazes no tocante a seus interesses e garantir a preservação dos negócios realizados por eles com relação a terceiros. (...) O principal aspecto é o patrimonial, pois o curador protege essencialmente os bens do interdito, auxiliando em sua manutenção e impedindo que sejam dissipados. Nesse sentido, fica realçado o interesse público em não permitir que o incapaz seja levado à miséria, tornando-se mais um ônus para a Administração". (Direito Civil: Direito de família, 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 447).
No caso, ainda que a Agravante seja a única filha da curatelada e que esta resida, atualmente, em Casa de Repouso, cujas despesas encontram-se comprovadas nos autos (eventos 16/35), é inviável a dispensa da obrigação de prestar contas.
Consoante demonstrado, a curatelada aufere mensalmente benefício de aposentadoria pago pelo IPSEMG (evento 11).
Ademais, a curadora, ora Agravante, consta como locadora nos contratos de aluguéis dos imóveis de propriedade da curatelada (eventos 12/15).
Não se trata, portanto, de rendas módicas, o que reforça o dever atribuído à curadora de conferir transparência à movimentação de recursos que não lhe pertencem.
Não bastasse isso, a única hipótese legal para a dispensa do dever está prevista no artigo 1.783 do Código Civil e se relaciona à curadoria atribuída à pessoa do cônjuge, casado sob o regime da comunhão universal de bens.
Essa hipótese não se enquadra ao caso em tela.
Nesse passo, apesar de as contas relativas ao período posterior a dezembro de 2014 terem sido consideradas satisfatórias, isso não exime a Agravante do encargo pretérito, mormente por se referir a período imediatamente posterior à assunção da curatela provisória.
Em resumo, é indispensável a prestação de contas, para comprovar que os valores auferidos foram, de fato, utilizados para suprir as necessidades da Agravada.
Esta Câmara Cível já enfrentou caso análogo:
APELAÇÃO CÍVEL - CURATELA - PRESTAÇÃO DE CONTAS - DEVER LEGAL.
É dever legal do curador, nos termos do art. 1.755 do Código Civil, prestar contas de sua gestão. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.19.115421-0/001, Relator (a): Des.(a) Leite Praça , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/11/2019, publicação da sumula em 22/11/2019)
Os outros órgãos fracionários também decidem neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL REJEITADA. CURATELA. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEVER QUE DECORRE DO ENCARGO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DAS DESPESAS. EXISTÊNCIA DE SALDO DEVEDOR EM FAVOR DO CURATELADO. RECURSO DESPROVIDO.
- O dever do curador de prestar contas deriva de uma obrigação legal (arts. 1.755 e ss, c/c o art. 1.774, todos do Código Civil), de modo que a petição inicial que não delimita o período da prestação de contas não pode ser considerada inepta.
- Conforme previsto no art. 1.774 do CC, à curatela aplicam-se as regras atinentes à tutela, e, relativamente às obrigações do curador, além de zelar pela saúde, segurança e a satisfação das necessidades gerais do curatelado, deve também gerir o seu patrimônio e comprovar, mediante prestação de contas (art. 1.755 CC), que vem exercendo adequadamente o "munus".
(...) (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.259362-5/001, Relator (a): Des.(a) Wander Marotta , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/02/2020, publicação da sumula em 03/03/2020)
APELAÇÃO CÍVEL - DEMANDA DE SUBSTITUIÇÃO DE CURADOR - CERCEAMENTO DE DEFESA - INEXISTÊNCIA - PRESTAÇÃO DE CONTAS PELA CURADORA - DEVER QUE DECORRE DO ENCARGO PÚBLICO CONCEDIDO PELO PODER JUDICIÁRIO - COMPROVAÇÃO DAS DESPESAS - INEXISTÊNCIA - RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE SALDO EM FAVOR DA CURATELADA - RECURSO DESPROVIDO.
I - Não há cerceamento de defesa quando as próprias partes pedem o julgamento antecipado da lide.
II - A prestação de contas pelo curador é um dever que decorre do encargo público concedido pelo Poder Judiciário e para o qual, em regra, o responsável é intimado na própria sentença. Trata-se da forma de fiscalização pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público do exercício da curatela.
(...)
(TJMG - Apelação Cível 1.0024.10.092998-3/001, Relator (a): Des.(a) Wilson Benevides , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/01/2017, publicação da sumula em 07/02/2017)
Por fim, a obrigação de prestar contas não se mostra desproporcional ou excessivamente onerosa, como faz crer a Recorrente.
A apresentação dos recibos referentes a gastos com saúde e de outras despesas básicas da Agravada, a exemplo do que já foi apresentado com referência a período diverso, será suficiente para atender às exigências judiciais.
Posto isso, de rigor a manutenção da r. decisão hostilizada.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, encaminho votação no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo-se incólume a r. decisão atacada.
Custas pela Agravante.
Suspendo, contudo, a exigibilidade, pois se encontra sob o pálio da gratuidade de justiça.
DES. WAGNER WILSON FERREIRA - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. BITENCOURT MARCONDES - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."
Detalhes da Jurisprudência
Processo
AI 0734323-21.2021.8.13.0000 MG
Órgão Julgador
Câmaras Cíveis / 19ª CÂMARA CÍVEL
Publicação
06/07/2021
Julgamento
1 de Julho de 2021
Relator
Carlos Henrique Perpétuo Braga