Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Lei que reserva cota adicional para pessoas com deficiência específica é inconstitucional, mas não pode ser anulada, diz MPF

sexta-feira, 29 de outubro de 2021, 12h43

Reserva adicional de vagas para portadores da síndrome de Down é discriminatória em relação às demais pessoas portadoras de deficiência

 

#pratodosverem: foto dos prédios que abrigam a procuradoria-geral da república, em Brasília. Os dois prédios são redondos, interligados e revestidos de vidro. Há, na frente dos prédios, galhos de árvores. A foto é de Leonardo Prado, da Secretaria de Comunicação Social do Ministério Público Federal.

Foto: Leonardo Prado/Secom/MPF

 

Em parecer encaminhado nesta quinta-feira (28) ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, opinou pela declaração de inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, da Lei 11.034/2019, de Mato Grosso. A norma prevê a concessão de cota adicional de 2% das vagas oferecidas em concurso público para pessoas com síndrome de Down. O entendimento considera o fato de que, mesmo tendo como propósito ampliar o acesso de pessoas com deficiência ao trabalho, a norma fere o princípio da isonomia. É que a lei não apresenta “justificativa racional” para a escolha das pessoas com síndrome de Down, entre as deficiências intelectuais, como destinatárias exclusivas da reserva adicional de vagas para cargos públicos.

 

A manifestação do procurador-geral foi apresentada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.634, proposta pelo governador do estado. Ao questionar a norma, o chefe do Executivo argumentou a existência de vício de iniciativa e inconstitucionalidade material. A lei chegou a ser vetada, mas a restrição foi derrubada pela Assembleia Legislativa. Ao analisar os argumentos, o PGR rebate a alegação de que a proposta não poderia ter sido apresentada por deputado, pontuando tratar-se de matéria decorrente diretamente do texto constitucional. Já em relação ao mérito, entendeu que, ao escolher pessoas com síndrome de Down, a norma traz prejuízo às demais pessoas com deficiência.

 

O PGR destaca a importância da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, propósito previsto em um vasto conjunto normativo nacional como a própria Constituição Federal e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Também menciona trechos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, e que tem força de emenda constitucional. A convenção prevê obrigações do Estado em reconhecer o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com os demais cidadãos, em ambiente aberto, inclusivo e acessível. O PGR salienta que essa garantia, nos setores público e privado, é “medida concretizadora da dignidade humana”.

 

No entanto, afirma que, mesmo entre as deficiências intelectuais, conceder privilégio indiscriminado e sem justificativa com amparo constitucional afronta o princípio da isonomia. “O objetivo de promover e viabilizar a ocupação laboral das pessoas com síndrome de Down não prescinde do respeito à isonomia como exigência de tratamento igualitário, bem como proibição de tratamento discriminatório”, diz o chefe do Ministério Público da União (MPU) no parecer.

 

Outro aspecto analisado pelo procurador-geral na manifestação foi uma eventual decisão judicial que estendesse as pessoas com outras deficiências, o acesso às vagas reservadas (2%). Nesse caso, ocorreria uma decisão interpretativa com eficácia aditiva. No entanto, conforme explica, essa interpretação à luz da Constituição, não pode alterar o conteúdo ou o sentido inequívoco da norma.

 

“Uma vez que a Lei estadual 11.034/2019 teve o propósito exclusivo de conceder cota adicional de 2% das vagas de concurso público para pessoas com síndrome de Down, não compete ao Judiciário estender o benefício para as demais pessoas com deficiência ― nem mesmo consideradas as deficiências de igual natureza―, sob pena de atuar como legislador positivo”.

 

Apesar de ser inconstitucional, o parecer é no sentido de que a lei não seja declarada nula, mas seja mantida válida. Ao defender que não haja a pronúncia de nulidade da lei matro-grossense, Augusto Aras citou o princípio do não retrocesso, cujo propósito é proteger os direitos sociais conquistados por atos anteriores à norma questionada. A aplicação do entendimento ocorre quando há uma compreensão de que faz menos mal à Constituição a manutenção do ato inconstitucional que a sua total exclusão do sistema normativo, dado o risco causado pelo vácuo normativo para a regulação da vida em sociedade.

 

Íntegra da manifestação na ADI 6.634

 

 

 

Fonte: MPF


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