Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Diálogo da sociedade com Bernardo

por JORGE DAMANTE

terça-feira, 22 de abril de 2014, 17h26

O que poderíamos pedir a ti, Bernardo? É verdade que poderíamos pedir perdão por não termos entendido que estavas sob as garras do mal, e, mais que isso, por não termos tido ouvidos de ouvir para escutar teu grito de socorro, mas fica a impressão que isso poderia soar um tanto quanto hipócrita, uma vez que tal pedido de perdão não poderá aplacar as dores de tua alma e muito menos os sofrimentos a ti impostos por teus algozes no ocaso de tua breve e tão linda vida.

Não Bernardo, não vamos pedir perdão!

É que, por mais que pensemos já ter visto tudo, em nossa tão humana e ingênua humanidade, não supúnhamos a existência de seres destituídos de qualquer sinal que os tornem dignos de serem tidos por humanos (e que nos perdoem as feras), capazes de friamente arquitetar, executar e consumar tão sórdido e diabólico plano contra tua pessoa, atirando-te em uma cova rasa, após cobrir teu corpo com soda cáustica, saindo depois para, com júbilo, comemorar o feito.

Bernardo, é também nosso dever dizer que nada mudará. Logo um outro fato da mesma natureza que o teu, talvez até pior, tomará as manchetes das mídias e tu serás esquecido. A lei não mudará querido Bernardo. Aliás, é possível que mude, mas para pior. Se ao menos tivéssemos o consolo de que tua morte serviria para sacudir os alicerces do Congresso Nacional e despertar o gigante que dorme em berço esplêndido! Mas isso, neste país, é uma quimera.

Alem disso, a Copa do Mundo bate às portas. Perdoe-nos!

Temos outas más notícias, infelizmente. Perdoe-nos, mas é nosso dever informá-lo.

Teus algozes? Ora, teus algozes ficarão presos por alguns anos, uma década talvez. Nesse período, nós os alimentaremos com café da manhã, almoço e jantar e eles, ociosos, terão banho de sol, visita de familiares, visitas íntimas para relações sexuais, terão acesso a rádio, televisão, DVD e outras regalias mais, sem falar na possibilidade de, ainda que criminosamente, falar ao celular, postar fotos no facebook, fumar um baseadinho para descontrair e por aí vai.

Estás indignado com essa informação? Mas Bernardo, o que narramos acima ocorrerá apenas na hipótese dos malfeitores serem condenados. Não se esqueça que eles têm direito à mais ampla defesa, podendo contratar advogados, profissionais cujo trabalho consistirá em informar a alguns dos integrantes deste corpo social a versão deles, justificando, de alguma forma suas condutas, e não fique surpreso se disserem que tu fostes o único culpado de teu infortúnio.

Ah, precisamos lembrá-lo de algo mais. Considerando que teus algozes são criaturas letradas, que compõem seleta casta deste país de analfabetos que cursou faculdade, é preciso mantê-los segregados dos miseráveis presos comuns, pois a lei, que ironicamente se diz ser igual para todos, garante a eles o direito à prisão especial no curso do processo, processo este que, até ser definitivamente julgado, poderá durar tranquilamente seis, sete ou oito anos.

Não fiques assim tão decepcionado Bernardo, afinal de contas nada é tão ruim que não possa piorar. Por isso, é preciso esclarecer que existe uma grande possibilidade de teus algozes responderem soltos aos termos do processo, porquanto são bacanas da sociedade, trabalhadores, “pessoas honradas”, réus primários, sendo que o fato de eles terem cometido um ato abominável é só um detalhe, não podendo ser óbice às suas liberdades. É o famoso princípio da inocência.

A verdade seja dita Bernardo: fostes vítima da impunidade que campeia neste país. Vivemos em um país no qual o criminoso sabe que o crime compensa. Inteligente, o bandido pesa na balança sua conduta e o preço que terá que pagar por ela. A conta fecha meu caro. Veja o teu caso, o que são alguns anos de cana para as vantagens que teus algozes auferirão? Eliminaram o intruso, o herdeiro, a lembrança da mãe morta e, em breve, estarão juntos de novo, regozijando.

Mas eles estão iludidos doce Bernardo. Cederam ao mal e pactuaram com o maligno. Imaginaram eles que sem a tua incômoda presença física, já que, com tua morte, tu e tua mãe seriam apenas fantasmas do passado, a felicidade completa reinaria no lar dos Boldrini. Esqueceram-se, porém, que se a justiça humana é uma piada de mau gosto, a de Deus é verdadeiramente justa e perfeita e chegará a hora em que terão de enfrentar o Tribunal da Vida.

Não devemos, portanto, perder a fé na verdadeira justiça Bernardo, pois se tu estás hoje nos braços dos anjos do Criador, teus algozes deverão permanecer neste antro de loucura que se chama planeta Terra, beneficiando-se sim da impunidade, mas convivendo minuto a minuto com seus demônios, incumbidos de trazer-lhes à consciência a imagem pura de teu rosto, sorrindo, enquanto teus lindos olhos tristes clamam por aquilo que todo filho pede a um pai: AMOR!

Por: Jorge Paulo Damante Pereira, promotor de Justiça em Canarana

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