O aumento da representatividade dos MPs estaduais no Colegiado do CNMP

por MARCELO FERRA
segunda-feira, 20 de agosto de 2012, 17h30
Materializando uma ideia antiga sobre a qual o Ministério Público nunca se rebelou, o legislador derivado concretizou na Emenda Constitucional nº 45, de 2004, a criação dos órgãos de controle externo da Magistratura (CNJ) e do Ministério Público (CNMP).
Por meio do cumprimento de suas atribuições constitucionais, o Conselho Nacional do Ministério Público tem contribuído para a maior transparência e aprimoramento no desempenho das funções da Instituição, a fim de que a mesma esteja cada vez mais próxima da satisfação integral do papel que a Carta de 1988 lhe conferiu, especialmente valorando sua imprescindibilidade na formação do Estado Democrático de Direito.
Conforme preceitua o art. 130-A da Constituição Federal, os membros do Conselho são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para cumprirem um mandato de dois anos, admitida uma recondução.
Sendo que a composição dos 14 (quatorze) membros do colegiado se reparte da seguinte forma: o Procurador-Geral da República; 04 (quatro) membros do Ministério Público da União; 03 (três) membros dos Ministérios Públicos dos Estados; 02 (dois) juízes; 02 (dois) advogados e 02 (dois) cidadãos indicados, respectivamente, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
Passada a fase embrionária e após sete anos de existência, a experiência tem demonstrado, no entanto, a necessidade de aperfeiçoamento do CNMP, que pode ampliar sua atuação não somente no controle externo, mas sobretudo no aperfeiçoamento do Ministério Público Brasileiro.
E um dos aspectos que se revela imprescindível ao seu aprimoramento diz respeito a sua forma de composição, uma vez que se percebe nitidamente que, nas vagas destinadas ao Ministério Público Nacional, 05 (cinco) delas são reservadas aos membros pertencentes ao Ministério Público da União (Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios), enquanto que apenas 03 (três) foram garantidas aos membros dos vinte e seis Ministérios Públicos Estaduais.
Em franco contraste à Constituição Cidadã de 1988 que enalteceu em várias passagens (caput do art. 1o. e caput do art. 18) a forma federativa e a autonomia dos Estados, a composição do Conselho Nacional do Ministério revelou grande mácula ao princípio do pacto federativo, já que houve evidente fortalecimento do centro, em detrimento dos 26 (vinte e seis) Estados que compõem a Federação.
Basta que se diga, para se visualizar a discrepância, que cinco assentos foram reservados para aqueles que representam pouco mais de dois mil membros do Ministério Público da União, enquanto apenas três cadeiras foram destinadas àqueles que representam mais de catorze mil membros que compõem os Ministérios Públicos Estaduais.
Com tal concepção, transmite-se a ideia de que o Conselho Nacional do Ministério Público é essencialmente um conselho de âmbito federal, e não de cunho nacional, como fora ele outrora idealizado.
Para que se estabelecesse uma correlação mais justa entre o perfil constitucional do conselho e o respeito ao princípio federativo, seria necessário que, no mínimo, os Ministérios Públicos Estaduais se fizessem representar pelas 05 (cinco) regiões que compõem a nação, quais sejam, Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Com o aumento de duas vagas ao Ministério Público dos Estados, ao menos se diminuiria a franca desproporção na representatividade de um ramo com sete vezes mais membros que os outros. Logicamente, este singelo aumento da representatividade não estabeleceria uma proporcionalidade, mas serviria para corrigir minimamente a distorção existente sem comprometer significativamente a importância do peso dos integrantes não pertencentes à carreira.
Cumpre que se entenda que a representação por regiões é algo de extrema importância em um órgão que controla externamente as atividades daqueles que atuam nas mais variadas partes de um pais de dimensões continentais, como é o Brasil.
Não há como alguém que atua num grande centro do sudeste ou em Brasília ter noção das dificuldades, costumes, vícios, cultura, estrutura, daquele que exerce suas atividades numa distante comarca na região de fronteira de um pobre Estado da Federação.
Certamente, quando se enxerga os fatos num amplo contexto, incluindo aí o conhecimento das adversidades por que passam diariamente os membros dos mais variados e longínquos Estados, permite-se um julgamento mais adequado e equânime.
Visando exatamente a corrigir essa grave mácula à forma federativa de Estado, revertendo a ideia de centralização da representatividade do Ministério Público, em data de 16/11/2011 foi apresentada, no Senado Federal, pelo Senador Demóstenes Torres (GO), a proposta de Emenda Constitucional de n. 07, que altera o art. 130-A, caput e inciso III, da Constituição Federal, para modificar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público.
Pela proposta de Emenda Constitucional apresentada, são acrescidos dois novos integrantes ao CNMP, ambos do Ministério Público dos Estados, de modo a elevar dos atuais três para cinco o número de membros do Parquet dos Estados no referido órgão, tornando, assim, mais coerente o perfil do Conselho com o pacto federativo e a autonomia dos Estados.
Aludida proposta de emenda ainda aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa, tendo como relator o Senador José Pedro Taques (MT), egresso do Ministério Público Federal.
Eis o teor da proposição:
Art. 1º O caput e o inciso III do art. 130-A, da Constituição Federal, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de dezesseis membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:
...
III – cinco membros do Ministério Público dos Estados;
...”
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Sobre essa proposta de emenda já se manifestaram inúmeras entidades, algumas opinando favoravelmente, outras de forma contrária, como a OAB.
Dentre os argumentos contrários, pesa aquele segundo o qual o objetivo do Constituinte derivado, quando da criação do CNMP, foi o de fazer uma composição mista, tendo dentre suas características essenciais, o caráter híbrido, com integrantes da sociedade civil, magistratura e advocacia. Sendo assim, caso haja a modificação almejada, seria grande o risco da formação do corporativismo e consequente dificuldade no julgamento do fiscalizado pelos próprios pares.
Alertam que o aumento do número de representantes de qualquer área sem que se faça uma equalização em relação aos demais segmentos ali representados, dilui e mitiga a força da magistratura, do parlamento, da advocacia, e da sociedade civil dentro do Conselho, o que ocasionaria um paulatino esvaziamento da principal razão de existir do CNMP, qual seja, a realização do controle externo.
Em que pese o preciosismo da crítica e a inteligência e respeito dos órgãos que a defendem, não nos preocupa, nem um pouco, que o temor se transforme em realidade, acaso aprovada a emenda constitucional n. 07/2011.
A resposta está embutida na própria história do Conselho Nacional do Ministério Público que, apesar do pouco tempo de existência, nunca demonstrou, especialmente por parte dos membros do Ministério Público Estadual que dele fizeram parte, desde a sua implantação, qualquer espécie de corporativismo ou ausência de independência para com os casos que passaram sob a sua batuta.
Ao contrário, os integrantes da carreira sempre se mostraram extremamente preparados e formadores de opinião dentro do colegiado, não hesitando em “cortar a própria carne” quando fosse necessário. Não há qualquer fato concreto que demonstre que o julgamento pelos pares é menos rígido que aquele proferido pelos integrantes do colegiado oriundos de outras carreiras ou da sociedade.
Conforme mencionamos anteriormente, dentro do Ministério Público Nacional antes de 2004, quando da discussão prévia sobre a criação do órgão de controle externo, nunca houve qualquer oposição à criação do órgão de controle, diferentemente da Magistratura que sempre se opôs a qualquer forma de fiscalização de suas atividades.
Não podemos esquecer que a iniciativa de correição e inspeção em todas as unidades do Ministério Público da Federação partiu de um Conselheiro representante do Ministério Público dos Estados, quando ocupou o cargo de Corregedor Nacional.
Depois dessa iniciativa, aumentou-se consideravelmente a instauração de procedimentos de controle administrativos e procedimentos disciplinares contra membros dos Mps.
Logicamente, não podemos auferir o rigor da atuação do Conselho Nacional pelo quantitativo de punições aplicadas em procedimentos disciplinares, pois a maioria dos fatos que são objetos de análise pelo órgão de controle já foram apurados na instância de origem.
Quanto a outra preocupação, de eventual diluição da força da magistratura, da advocacia e da sociedade acaso o colegiado seja composto por mais membros do Ministério Público, o que tiraria forças de sua composição heterogênea, também não nos causa qualquer constrangimento em dela discordar.
Ora, ao pensar por esse lado, dá-se a nítida impressão de que há uma colisão de forças contrapostas no Conselho antes mesmo da análise de qualquer procedimento e que esse sistema de “pesos e contrapesos” restaria fora de esquadro.
Não é e nunca foi assim! Quem conhece a trajetória do Conselho Nacional do Ministério Público bem sabe que as divergências que existiram e existem são no campo puramente jurídico ou da análise da situação fática verificada de acordo com o livre convencimento motivado.
Não é incomum julgamentos unânimes de procedimentos disciplinares. Não é incomum divergências entre Conselheiros dos Ministérios Públicos Estaduais.Não é incomum posicionamentos idênticos entre Conselheiros da OAB e dos Ministérios Públicos.
De outro lado, relembrando o que já foi ressaltado, a ampliação não resolve a questão da proporcionalidade, mas mitiga a distorção sem comprometer significativamente a participação de outras carreiras e especialmente da sociedade.
Assim, todos os argumentos que tentam rebater a proposta de emenda constitucional n. 07/2011, não foram capazes de ilidir e de contrapor a evidente injustiça que há quanto à formação e composição do colegiado do Conselho Nacional do Ministério Público, em franco prejuízo à representatividade dos Ministérios Públicos Estaduais.
Também, não encontra respaldo eventual argumento sustentando a desnecessidade da alteração, sob o enfoque do caráter nacional do Ministério Público. O tão propalado caráter nacional não resiste a singelos argumentos, como o regramento por legislações diferentes e a preocupação do Constituinte derivado quando disciplinou as vagas destinadas ao Ministério Público da União em estabelecer uma para cada ramo.
A Constituição dividiu o Ministério Público Brasileiro em Ministério Público da União e Ministério Público dos Estados; sendo inaceitável que o primeiro, dividido em 04 (quatro) ramos, faça-se representado na integralidade destes, ao passo que o segundo, fragmentado em 26 (vinte e seis) Estados, regidos por legislações diferentes, não tenha uma representatividade sequer proporcional às cinco regiões que compõem o território nacional.
Não podemos ignorar que o Ministério Público tem características próprias que o diferenciam da magistratura. Exemplo claro disso foi o da suspensão, pelo STF, em ADI interposta pela CONAMP, do dispositivo constitucional que, quando da criação do Conselho Nacional, permitia ao Procurador-Geral da República indicar os integrantes do CNMP nas vagas dos Ministério Público dos Estados.
Assim, não obstante os argumentos em sentido contrário, essa equalização necessita ser efetivada, seja para o próprio aprimoramento do Conselho Nacional do Ministério Público, que teria sua composição equilibrada, seja para garantir o respeito ao princípio federativo e a autonomia dos Estados.
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