Jurisprudência TJMG - Reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem. Espólio. Ilegitimidade passiva. Ausência de citação de herdeira incapaz - .
quinta-feira, 25 de agosto de 2022, 14h00
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM - ESPÓLIO - ILEGITIMIDADE PASSIVA - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE HERDEIRA INCAPAZ - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO UNITÁRIO - SENTENÇA ANULADA - RECURSO PROVIDO. - Nas ações de reconhecimento de paternidade ou de maternidade post mortem, biológica ou socioafetiva, os herdeiros dos pretensos genitores pré-mortos devem figurar no polo passivo, como litisconsortes necessários, inclusive por se tratar de demanda de estado de pessoa, que pode implicar em um resultado econômico se deixado bens pelo de cujus; e, por conseguinte, os espólios dos falecidos são partes ilegítimas ad causam, devendo ser excluídos da lide, com fulcro no art. 485, VI do CPC - Nos termos do art. 115, I, do CPC, "a sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo" - Considerando a ausência de citação de litisconsorte passivo necessário na presente ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem, deve ser acolhida a preliminar de nulidade da sentença, determinando-se o retorno dos autos à origem, para que a herdeira passe a integrar a lide e, posteriormente citada.(TJMG - AC: 10000210061966002 MG, Relator: Yeda Athias, Data de Julgamento: 26/10/2021, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/11/2021).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM - ESPÓLIO - ILEGITIMIDADE PASSIVA - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE HERDEIRA INCAPAZ - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO UNITÁRIO - SENTENÇA ANULADA - RECURSO PROVIDO.
- Nas ações de reconhecimento de paternidade ou de maternidade post mortem, biológica ou socioafetiva, os herdeiros dos pretensos genitores pré-mortos devem figurar no polo passivo, como litisconsortes necessários, inclusive por se tratar de demanda de estado de pessoa, que pode implicar em um resultado econômico se deixado bens pelo de cujus; e, por conseguinte, os espólios dos falecidos são partes ilegítimas ad causam, devendo ser excluídos da lide, com fulcro no art. 485, VI do CPC.
- Nos termos do art. 115, I, do CPC, "a sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo".
- Considerando a ausência de citação de litisconsorte passivo necessário na presente ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem, deve ser acolhida a preliminar de nulidade da sentença, determinando-se o retorno dos autos à origem, para que a herdeira passe a integrar a lide e, posteriormente citada.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.21.006196-6/002 - COMARCA DE JACUTINGA - APELANTE (S): E.R.L. - APELADO (A)(S): E.M.P. - INTERESSADO (S): E.A.R.L. INVENTARIANTE D.E.B.M. D.H.R., F.D.P. INVENTARIANTE D.E.N.R.L.
A C Ó R D Ã O
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em ACOLHER AS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E DE NULIDADE DA SENTENÇA.
DESA. YEDA ATHIAS
RELATORA
DESA. YEDA ATHIAS (RELATORA)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação interposto por E.R.L. contra a sentença de ordem nº. 164, proferida em audiência pelo juízo da vara única da comarca de Jacutinga/MG que, nos autos de ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem ajuizada por E.M.P. em face da apelante e de outros, julgou procedente os pedidos iniciais para "reconhecer a filiação socioafetiva, para todos os fins de direito, entre B.M.L. e T.D., devendo haver alteração no registro de nascimento da autora" (...) e para reservar o quinhão da autora em relação aos espólios de seus falecidos genitores socioafetivos.
Em razão da sucumbência, os réus foram condenados ao pagamento das custas processuais e de honorários de sucumbência arbitrados em R$1.500,00.
Nas razões recursais de ordem nº. 173, afirma a apelante que os espólios de seus pais são parte ilegítima para compor o polo passivo da demanda, eis que apenas os herdeiros podem ser demandados em ações de reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem. Alega que uma das herdeiras biológicas dos falecidos, relativamente incapaz, não foi citada no processo.
No mérito, sustenta que não está demonstrada a "vontade clara e inequívoca dos pretensos pais" em ter a apelada como filha, "o que não pode ser extraído de meros atos de respeito, bondade e caridade". Aduz que a autora poderia ter ajuizado a demanda à época do falecimento de seu pai, mas que aguardou por muitos anos até o falecimento da mãe, para que essa não pudesse contestar em vida a inexistência da paternidade socioafetiva.
Assevera que os pais foram tutores da autora e que, se tivessem a intenção de tê-la como filha, a teriam adotado ou mesmo contemplado em testamento, o que não ocorreu. Destaca que "os relatos das testemunhas ouvidas serviriam para justificar uma amizade e consideração, porém a pretensão de reconhecimento do estado de filha é algo que exigiria uma prova muito mais contundente que não deixasse dúvidas de que os falecidos, se vivos fossem, não iriam titubear em proceder ao reconhecimento".
Alega que "as conversas ainda mantidas pela recorrida e sua genitora biológica, ainda que por meios eletrônicos, não deixam dúvidas de que a recorrida jamais se desvencilhou dos laços maternais com sua genitora biológica".
Pugna pelo provimento do recurso "para que seja reformada a sentença de primeiramente instancia, seja para fins de extinguir a ação sem resolução do mérito ou então, para julgá-la completamente improcedente em seu mérito".
Contrarrazões à ordem nº. 194, com documentos (ordem nº. 195), pelo desprovimento do recurso.
Manifestação da apelante sobre o documento juntado com a apelação em ordem nº. 207.
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça em ordem nº. 209, pelo acolhimento da preliminar de nulidade por ausência de citação de litisconsorte e, no mérito, se acaso superada a preliminar, pelo desprovimento do recurso.
É o relatório. Decido.
Conheço do recurso, eis que presentes os requisitos de sua admissibilidade.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
A apelante sustenta, preliminarmente, "que este Egrégio Tribunal, reiteradas vezes, já deixou clara a impossibilidade de se pretender o reconhecimento de paternidade em face de espólios" (ordem nº. 173, p. 03) e que "diante disto, o presente feito há de ser julgado completamente improcedente, sem resolução do mérito, na forma do inc. VI do art. 485 do CPC, face a clara ilegitimidade passiva"ad causam"das partes requeridas" (ordem nº. 173, p. 06), o que desafia rejeição.
De fato, nas ações de reconhecimento de paternidade ou de maternidade post mortem, biológica ou socioafetiva, os herdeiros dos pretensos genitores pré-mortos devem figurar no polo passivo, como litisconsortes necessários, inclusive por se tratar de demanda de estado de pessoa, que pode implicar em um resultado econômico se deixado bens pelo de cujus; e, por conseguinte, os espólios dos falecidos são partes ilegítimas para a causa.
A este respeito, vale transcrever a lição doutrinária de Rolf Madaleno:
A legitimação passiva na ação de filiação é do ascendente investigado, no caso a suposta mãe, em sendo investigada a maternidade, ou o pai, no caminho oposto. Se o investigado já é falecido, serão réus os respectivos herdeiros, a serem individual e pessoalmente citados, tendo em vista ser uma ação de estado, não podendo ser representados pelo inventariante, acaso ainda tramitando o processo de inventário do investigado sucedido, mesmo se a pretensão judicial inserir pedido cumulativo e relativo ao quinhão hereditário do investigante. Isso porque a ação é de investigação de filiação, e visa ao reconhecimento da perfilhação. É uma ação declaratória de estado da pessoa e não guardar qualquer correlação com o resultado econômico oriundo da procedência da investigatória, e também implicará um resultado econômico se o extinto declarado genitor tiver deixado bens para inventariar e não estiver prescrita a ação de petição de herança. (Direito de família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 624/625).
No mesmo sentido, "a jurisprudência desta Corte, de igual modo, fixou-se no sentido de que a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos herdeiros e não do espólio do falecido. Nesse sentido, confiram-se: REsp 5.280/RJ, 3ª Turma, DJ 11/11/1991; REsp 120.622/RS, 3ª Turma, DJ 25/02/1998; REsp 331.842/AL, 3ª Turma, DJ 10/06/2002". (REsp 1667576/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 13/09/2019)
No caso dos autos, embora a autora tenha emendado a inicial, incluindo no polo passivo todos os herdeiros de seus supostos pais socioafetivos (ordem nº. 16), ainda assim manteve na lide os seus respectivos espólios, que não foram condenados aos ônus sucumbenciais "uma vez que não apresentaram oposição ao pedido autoral" (ordem nº. 164, p. 06).
Portanto, considerando a patente ilegitimidade passiva dos Espólios, deve ser acolhida a preliminar, para exclui-los da lide e, com fulcro no art. 485, VI, do CPC, julgado extinto o processo, sem resolução do mérito, determinando o prosseguimento do feito em relação aos herdeiros dos falecidos, bem como condenada.
PRELIMINAR DE NULIDADE POR FALTA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO
Ainda preliminarmente, sustenta a apelante que a herdeira H.R.M.L., relativamente incapaz e interditada, não foi citada na qualidade de litisconsorte passiva necessária, o que inquina de nulidade a sentença.
Nos termos do art. 115, I, do CPC, "a sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo".
No caso da ação de reconhecimento de paternidade post mortem, os herdeiros do falecido são litisconsortes passivos necessários unitários, de forma que a decisão deve ser uniforme em relação a todos eles, provocando-lhes os mesmos efeitos existenciais e patrimoniais. Portanto, a ausência de citação de um dos herdeiros inquina de nulidade a sentença declaratória de paternidade, até porque o preterido sofrerá diretamente os efeitos sucessórios do acréscimo de mais um herdeiro na partilha dos bens deixados pelo falecido.
Na espécie, a herdeira H.R.M.L., cujos genitores são pré-mortos, é neta dos pretensos pais socioafetivos da autora, e, embora maior, é relativamente incapaz e interditada (ordem nº. 195), sendo incontroverso nos autos, porquanto confirmado nas contrarrazões ao recurso, que não houve a sua citação no processo, na figura de sua curadora, conforme determina o art. 245, § 5º, do CPC.
Todavia, ao contrário do que sustenta a apelada, a citação da curadora, em nome próprio - que também é uma das herdeiras dos falecidos - não supre o vício e tampouco convalesce a nulidade, na medida em que os interesses da curadora e da curatelada não se confundem, de modo que deve ser reconhecida a nulidade, determinando-se o retorno dos autos à origem, para sanar o vício para que a herdeira H.M.R.L. seja incluída no polo passivo e posteriormente citada.
Neste sentido, foi o parecer da doura Procuradora de Justiça:
A manutenção dos espólios na lide invisibilizou a ausência de citação da herdeira incapaz H.R.M.L. Apesar do conteúdo da certidão ID 155436034, não foi expedido mandado de citação e não há procuração juntada aos autos.
Ainda que sua curadora legal, a herdeira E.A.R.L., tenha sido citada como representante do espólio de H.R.L., os interesses não se confundem. Aliás, os herdeiros todos deveriam ter sido citados pessoalmente, não representando os respectivos espólios. Esse fato, por si só, não acarretaria prejuízo, desde que estivesse clara nos autos a oportunidade de defesa.
Entretanto, uma vez que a curatelada sequer constou no polo passivo, no sistema eletrônico, houve prejuízo à defesa de seus interesses, já que ela sequer é citada nas decisões e intimações.
Opino pelo acolhimento da preliminar e retorno dos autos à primeira instância, a fim de que sejam sanadas as nulidades apresentadas, voltando a marcha processual a partir da citação da herdeira H.M.R.L. (ordem 209)
Portanto, considerando que a herdeira H.M.R.L. sequer constou no polo passivo e, por conseguinte, ausente a sua citação como litisconsorte passivo necessário, deve ser acolhida a preliminar de nulidade da sentença, determinando-se o retorno dos autos à origem, para sanar tais nulidades, mediante sua inclusão e posterior citação.
Mediante o exposto, ACOLHO A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS ESPOLIOS, para exclui-los da lide e, com fulcro no art. 485, VI, do CPC, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, determinando o prosseguimento do feito apenas em relação aos herdeiros dos falecidos. Condeno a autora ao pagamento dos honorários de sucumbência em favor dos patronos dos espólios, que ora fixo em R$1.500,00;
ACOLHO, AINDA, A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA, determinando o retorno dos autos à primeira instância para que a autora seja intimada à emendar a inicial, incluindo na lide a herdeira incapaz H.R.L., sob pena de extinção do processo, nos termos do art. 115, parágrafo único, do CPC.
Custas ao final.
DES. EDILSON OLÍMPIO FERNANDES - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "ACOLHERAM AS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E DE NULIDADE DA SENTENÇA"