MIGALHAS: Caso Narcisa e Boninho reacende o debate sobre abandono afetivo
terça-feira, 02 de dezembro de 2025, 14h21
Com a recente mudança na legislação brasileira, que transforma o abandono afetivo em ilícito civil passível de indenização e até de prisão em casos graves, as declarações de Narcisa Tamborindeguy sobre a ausência paterna de Boninho trazem à tona uma questão que atinge milhões de famílias no país.
A recente declaração de Narcisa Tamborindeguy sobre o ex-marido, o diretor de TV Boninho, deu combustível a um debate sensível e cada vez mais jurídico: a responsabilidade dos pais não apenas material, mas também emocional, para com os filhos.
Em declarações públicas, Narcisa afirmou que o ex-companheiro "é um pai ausente" e criticou a falta de apoio afetivo e financeiro. O desabafo, além de pessoal, ilustra um tema que vem ganhando força nos tribunais e no Congresso, o abandono afetivo e material como forma de violação de dever parental.
A advogada Tatiana Naumann, sócia da área de Direito de Família e Sucessões do Albuquerque Melo Advogados e membro da Comissão de Direito de Família da OAB/RJ, explica que o caso tem relevância justamente porque ocorre em um momento de mudança na lei.
"A nova legislação reconhece o dever de assistência afetiva como uma obrigação legal. Ou seja, não basta pagar pensão: é preciso conviver, acompanhar, participar da formação emocional e social do filho", destaca.
Sancionada em outubro deste ano, a lei 15.240/25 acrescentou ao Código Civil e ao ECA a previsão de que os pais têm o dever de prestar assistência afetiva, por meio do convívio e da presença ativa na vida dos filhos.
Ausência emocional dos pais passa a ter peso legal e pode gerar indenização.(Imagem: Freepik)
A ausência injustificada dessa assistência, somada ou não ao descumprimento de deveres materiais, pode gerar responsabilidade civil e indenização por danos morais. Em casos extremos, de abandono reiterado e comprovado, há até previsão de pena de prisão.
Segundo Tatiana Naumann, a inovação representa uma mudança de paradigma. "É uma virada simbólica: o afeto deixa de ser tratado apenas como valor moral e passa a ser um dever jurídico. Isso significa que o Direito agora reconhece que o abandono emocional causa danos reais, mensuráveis, à estrutura psíquica e social dos filhos", explica.
A advogada lembra que, antes dessa alteração, o tema já vinha sendo discutido nos tribunais, com decisões esparsas reconhecendo o direito de indenização. "O Superior Tribunal de Justiça e diversos tribunais estaduais já admitiam ações de reparação por abandono afetivo, mas sem base legal clara. Agora, há um dispositivo expresso que dá respaldo a essas decisões", pontua.
Os números mostram a dimensão do problema. No Brasil, entre janeiro de 2016 e novembro de 2025, dos 26,7 milhões de nascimentos, pouco mais de 1,4 milhão de crianças foram registradas sem o nome do pai, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
Para Tatiana, casos como o de Narcisa Tamborindeguy têm valor simbólico justamente por trazerem o assunto à luz pública. "A exposição de um caso conhecido ajuda a sociedade a entender que o abandono afetivo não é um problema restrito a famílias anônimas. Ele atravessa todas as classes sociais e agora tem consequências jurídicas concretas", afirma.
A especialista observa, porém, que o objetivo da lei não é punir indiscriminadamente, mas estimular a presença e o cuidado. "O Direito de Família moderno busca prevenir rupturas, não apenas repará-las. A convivência deve ser estruturada em acordos claros de visitação, comunicação e responsabilidade compartilhada. A ausência reiterada, quando comprovada, passa a ter peso não só emocional, mas também legal, podendo afetar, inclusive, direitos de guarda e sucessão", explica.
FONTE: MIGALHAS