Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

TJCE: Justiça cearense investe em formação para garantir direitos de adolescentes em conflito com a lei

quinta-feira, 25 de setembro de 2025, 12h17

O Poder Judiciário cearense, por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução das Medidas Socioeducativas (GMF) promoveu, nessa quarta-feira (24/09), o I Curso sobre Saúde Mental e Direitos Humanos no Sistema Socioeducativo. O evento aconteceu na Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (Esmec), com programação voltada à capacitação de profissionais que atuam na rede de atenção a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

 

O desembargador Henrique Jorge Holanda Silveira, supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo, abriu o evento ressaltando a importância da capacitação. “A atenção à saúde mental de crianças e adolescentes que se encontram no sistema socioeducativo deve ser vista como uma prioridade, pois envolve a garantia de direitos fundamentais e a promoção de um futuro com mais dignidade. Esse curso busca oferecer aos magistrados e servidores subsídios técnicos e sensíveis para que possam compreender melhor a complexidade das situações vividas por esses jovens e, assim, atuar de forma mais efetiva. Ao investir em capacitação, o Tribunal reafirma seu compromisso com a proteção integral da infância e da juventude. Essa será a primeira capacitação de muitas que ofereceremos a esses profissionais tão engajados nessas melhorias sociais.”

 

A capacitação, que se estende até a próxima sexta (26), tem como finalidade qualificar a atuação do Sistema de Justiça na garantia dos direitos humanos de pessoas com transtornos mentais e deficiência psicossocial, em articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede de proteção social. A iniciativa está alinhada à Política Antimanicomial do Judiciário, regulamentada pela Resolução nº 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além das normas específicas de cuidado em saúde mental voltadas aos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas.

 

“Este curso é fundamental porque promove um conhecimento interinstitucional e possibilita a padronização das providências adotadas pelos Juízos da Infância e Juventude diante de adolescentes com problemas de saúde mental. Trata-se de uma iniciativa inédita no país, cujo propósito é garantir melhores resultados por meio da atualização de conhecimentos e da uniformização de práticas”, afirmou o juiz Epitácio Quezado, da 4ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza e coordenador do Núcleo Socioeducativo do GMF.

 

A abertura do evento ocorreu às 9 horas, após recepção dos participantes, e contou com mesa solene. Em seguida, teve início o Módulo 1 – Saúde Mental, cultura manicomial e desigualdades, que abordou a interseccionalidade de raça, gênero e classe. Os facilitadores foram Daniel Adolpho, analista técnico de políticas sociais do Ministério da Saúde, e Jalusa Arruda, professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

 

 

TRABALHO EM PARCERIA

 

Durante o curso, foi destacado a importância dos profissionais trabalharem em conjunto, para compreender a saúde mental no contexto socioeducativo a partir de uma perspectiva ampla, que vai além da abordagem tradicional. De acordo com o que foi explicado, a saúde mental deve ser entendida como parte essencial do desenvolvimento humano, diretamente relacionada às condições de vida, às oportunidades de inclusão e ao respeito aos direitos fundamentais.

 

 

MEDICALIZAÇÃO

 

Foi mostrado um levantamento recente que revelou desafios significativos enfrentados no Sistema Socioeducativo brasileiro, no campo da saúde mental dos adolescentes em cumprimento de medidas. Um dos pontos críticos é a medicalização, já que 21,2% dos jovens passaram a fazer uso de medicamentos psicotrópicos após a inserção no sistema, contra apenas 4,7% que já utilizavam antes da sanção.

 

Os dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) de 2024 apontam a existência de 12.506 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, sendo apenas 1,5% com deficiência intelectual. Entre eles, cerca de 20% apresentaram demandas relacionadas ao sofrimento mental, incluindo problemas associados ao uso de álcool e outras drogas.

 

O estudo também chama atenção para problemas estruturais nacionais, como a psiquiatrização excessiva do cuidado, a medicalização, a imposição de barreiras adicionais a adolescentes com deficiência e a privação de liberdade, que acaba agravando quadros de sofrimento psíquico.

 

O SUS

 

Durante à capacitação foi abordado também os fundamentos e princípios que orientam o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política de Saúde Mental no Brasil. Daniel Adolpho lembrou a definição ampliada de saúde da Organização Mundial da Saúde, que entende o bem-estar como um equilíbrio físico, mental e social, ultrapassando a simples ausência de doenças. Explicou que a saúde mental deve ser vista como um recurso essencial para a vida cotidiana, ajudando as pessoas a lidar com desafios, a se relacionar e a desenvolver suas potencialidades, e não apenas como um objetivo isolado de tratamento.

 

Em seguida, detalhou os três princípios básicos do SUS, a universalidade, garantindo acesso a todos; a integralidade, que assegura atenção completa em prevenção, promoção e reabilitação; e equidade, que busca reduzir desigualdades e oferecer mais a quem mais precisa.

 

Por último, ele reforçou a importância da luta antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica brasileira, que transformaram a forma de cuidar das pessoas com transtornos mentais. O foco passou a ser o atendimento comunitário, o convívio familiar e social e o tratamento humanizado, substituindo gradualmente o antigo modelo de internações em manicômios. Foi ressaltado que essa mudança representa um avanço no reconhecimento dos direitos humanos e na promoção de uma sociedade mais inclusiva e solidária.

 

A NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO

 

Na ocasião, Jalusa Arruda destacou pontos essenciais da Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) relacionados à saúde mental de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Ela citou que, conforme o Artigo 64, sempre que houver indícios de transtorno ou deficiência mental, o adolescente deve passar por avaliação de uma equipe técnica multidisciplinar e multissetorial. Essa avaliação serve de base para definir um atendimento terapêutico adequado, que deve ser formalizado no Plano Individual de Atendimento (PIA), garantindo que o tratamento esteja alinhado às necessidades específicas do jovem.

 

Foi ressaltado ainda que, dependendo do resultado da análise feita em conjunto pelo Sinase e pelo SUS, pode ser recomendada até mesmo a suspensão da medida socioeducativa. Caso fique comprovada a existência de uma doença grave, a medida pode ser extinta, conforme prevê também o artigo 46, inciso IV, que trata da impossibilidade de o adolescente cumprir a decisão judicial em razão de seu estado de saúde.

 

Por fim, destacaram que tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quanto a Lei do Sinase reconhecem a importância de considerar a sanidade mental dos adolescentes, priorizando o cuidado integral e o direito à saúde antes da aplicação de qualquer medida socioeducativa. O objetivo é garantir que o tratamento seja humanizado e que o sistema de justiça atue em consonância com os princípios da proteção integral e da dignidade da pessoa humana.

 

No turno da tarde, o Módulo 2 – Princípios do SUS, Atenção à Saúde Mental, Redução de Danos e a PNAISARI, foi conduzido em dois momentos. Inicialmente, os participantes trataram do tema “Privação de Liberdade, Saúde Mental e as desigualdades”. Em seguida, o enfoque voltou-se para a “Atenção Integral à Saúde Mental: a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), políticas sobre drogas e redução de danos, outras políticas sociais e o Sistema Socioeducativo”.

 

O curso é uma realização do TJCE, com apoio da Esmec, da Escola Superior do Ministério Público (ESMP-CE), da Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP-CE) e da Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB-CE).

 

Com programação intensa, a formação se propõe a fortalecer o debate sobre a atenção integral em saúde mental e a promoção dos direitos humanos, especialmente de jovens em situação de vulnerabilidade.

 

 

PROGRAMAÇÃO

 

A programação seguirá até sexta-feira (26). Nesta quinta-feira (25) será o Módulo 3 – Saúde Mental e Sistema Socioeducativo: o papel do Sistema de Justiça na articulação do Sistema de Garantia de Direitos.

 

Terão apresentações sobre o tema “Política sobre drogas, prevenção e cuidados na adolescência”; depois, “O papel do Sistema de Justiça, as garantias processuais e o atendimento dos(as) adolescentes com demandas de saúde mental”; e para finalizar “Saúde Mental e Sistema Socioeducativo: o papel do Sistema de Justiça na articulação do Sistema de Garantia de Direitos e os desafios presentes”.

 

Na sexta-feira (26), o curso se encerra com o Módulo 4 – Apresentação dos Fluxos de Atendimento em Saúde Mental no Sistema Socioeducativo; em seguida “Fluxograma de Saúde Mental no Sistema Socioeducativo (atendimento inicial)”; logo após o “Fluxograma de Saúde Mental no Sistema Socioeducativo (na execução da medida e pós-medida)”. O encerramento acontecerá às 14h30, com a I Reunião do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Saúde no Socioeducativo do Estado.

 

 

FONTE: TJCE

 


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